Aprendi desde a mais tenra idade a sentir orgulho do meu Brasil. Um território imenso e dotado de tantas riquezas. Milhões de pessoas com o privilegio de se comunicar em uma única língua, de norte a sul, de leste a oeste. Fronteiras pacíficas com todos os vizinhos, água em abundância, recursos naturais incalculáveis, um povo bom e trabalhador, enfim, um país com tudo para ser grande em todos os sentidos. Então por que, tendo tudo para dar certo, nosso país é assim tão cheio de mazelas e tão desorganizado? Por que, sendo tão rico, temos tantos irmãos nossos em condição de miséria? Por que tudo que é de responsabilidade do estado funciona tão mal?
A despeito das melhoras dos últimos anos, a saúde não presta, a educação é sofrível, a segurança pública e uma farsa, a justiça não transmite confiança, os órgãos de controle são suspeitos, tudo nesse país deixa a impressão de que desordem faz parte da nossa normalidade. Quase nada há que mereça ser elogiado. Vez em quando a euforia da expectativa de um futuro melhor nos enche de esperança, então renovamos nossa fé no futuro apenas para, a seguir, a realidade desmentir a confiança recém renovada.
A continuada sucessão de escândalos que somos obrigados a assistir todos os dias, em todos os níveis da administração pública, mata aos poucos qualquer resíduo de esperança que ainda reste. Uma tragédia, uma vergonha! Em quem acreditar? Ministros de estado que se corrompem juntamente com seus quadros auxiliares; juízes que se vendem; autoridades policiais envolvidas com o crime organizado; marginais comandando suas organizações criminosas de dentro de presídios chamados de segurança máxima; uma classe política que parece ter sido selecionada do que há de pior na sociedade, preocupada somente com seus interesses, negociando tudo, inclusive a dignidade (se é que ainda existe alguma), tão somente para chegar e se manter no poder a qualquer preço, a qualquer custo. Somos uma sociedade que privilegia a esperteza, a ganância, a impunidade. Elegemos como heróis os que usam a inteligência e a influência para escaparem da lei. Segundo as estatísticas oficiais somente oito em cada cem crimes graves no Brasil são apurados e punidos e, ainda assim, as punições são objeto de inúmeros privilégios. E comum ouvir-se dizer que no Brasil a honestidade não vale à pena, o crime sim. Corruptos de todos os tipos vivem décadas sem passar um dia sequer numa prisão ou ter devolvido um real que seja do que roubaram dos cofres públicos. Fortunas se erguem como surgidas do nada da noite para dia, muitas com origem no desvio de recursos públicos, sem que nada aconteça.
É muito provável que um infeliz ladrão de galinhas sofra nas prisões toda sorte de misérias, como é também possível que quem rouba milhões do povo, chegue a ser vereador, deputado, prefeito, senador, ministro, ou quem sabe até presidente da república. O exemplo proporcionado pelos autores dessas falcatruas serve apenas para que todos passemos a ter, pelas virtudes humanas, uma visão totalmente invertida.
O mal passa a ser objeto de desejo, porque dá lucro, o bem e tido como algo que não compensa, porque exige sacrifícios para ser praticado. É de tal modo grave o quadro de imoralidade que enxergamos o pequeno saldo do nosso otimismo ceder lugar para o desânimo, pois tornou-se normal o desvio das condutas morais e o abandono da ética.
É possível ainda tentarmos mudar esse quadro? Vislumbrar um futuro com mais dignidade? Ainda esta semana uma juíza foi violentamente fuzilada porque cometeu a ousadia de aplicar a lei e condenar criminosos. Terá sido em vão a sua morte?
Li um artigo do ex-ministro Mailson da Nóbrega, no qual ele diz acreditar que um dia os corruptos irão para a cadeia, e que por fim a sociedade se organizará de modo a exigir a aplicação das leis, impedindo que a pouca vergonha germine e cresça tão bem adubada pela impunidade. Torço para que ele esteja certo e meu sonho de cidadania se realize. Tenho certeza de que existem muitos homens e mulheres de bem em todos os segmentos da sociedade. O que precisamos é valorizá-los, e aprender a depositar confiança em quem de fato merece. A decisão que mudará a cara do Brasil começará quando os cidadãos não mais se permitirem assistir em silêncio essa sucessão interminável de desmandos e de roubalheiras.
Ainda acredito e tenho convicção de que não estou sozinho. Precisamos aproveitar esse momento de liberdade de imprensa e democracia para tornar evidente o nosso repúdio. Precisamos cuidar com muito amor da democracia tão duramente conquistada em nosso país. Ela ainda esta verde! Não podemos permitir que a corrupção generalizada a contamine de modo irreversível. Não podemos aceitar passivamente que ela apodreça sem sequer ter amadurecido.
E que Deus tenha piedade do nosso país.
Zé das Dores.