quinta-feira, 10 de março de 2011

Alicérces de memórias...

VOZES DO PASSADO
"Há de rebanhos mil correr da praia para o sertão, então o sertão virará mar e o mar virará sertão". Antonio Vicente Mendes Maciel
Olhando as águas represadas do velho Vaza Barris, imaginei cumprida essa estranha profecia de Maciel, o 'Bom Jesus Conselheiro', o anacoreta sombrio, como o descreve Euclides da Cunha, em seu clássico "OS SERTÕES".
No final do século 19, surgia ali, no município de Monte Santo, hoje o local pertence a Canudos, com seu séquito de mais ou menos duzentos seguidores, o asceta extraordinário.
Diferia do comum dos homens pela forma estranha de vestir e de falar. Sua figura impressionava aquela gente simples. O discurso escatológico emocionava as multidões que o escutavam. A todos encantava com suas rezas e seus cânticos e lamentos.
Milhares o seguiram quando decidiu fixar-se à margem do rio, onde fundou a cidadela de Canudos, a imensa favela projetada em sua loucura. Ali se ajuntou a turba, gente de todo tipo e caráter, fascinada pela estranha figura de Antônio Conselheiro. Construíra no lugar uma pequena igreja, insuficiente para o crescente número de seguidores que mais e mais aumentava.
Decidiu então pela construção de uma igreja maior de modo a acomodar sua gente, sedenta de seus sermões, contaminada pela insanidade do seu líder. Antonio Conselheiro já não mais era um simples homem, evoluíra para a condição de messias, de salvador, acima do bem e do mal. As leis da república recém proclamada eram a "lei do cão", o que o Bom Jesus Conselheiro ditava era a "lei de Deus".
O fanatismo e o misticismo religioso cegaram aquela gente. Qualquer visão crítica deixara de existir. Canudos espalhava o medo em toda vizinhança. Afinal para lá afluíram, desde o mais inocente dos sertanejos aos bandidos mais impiedosos.
Estava pronto o cenário onde iria ocorrer em breve a maior drama da história da Bahia. Um simples incidente provocou a tragédia que teve origem no fanatismo do povo, no preconceito das elites e na ausência irresponsável do governo da república.
A simples menção por parte do Conselheiro a D. Sebastião, fez com que o governo os visse como força organizada para restaurar a monarquia. Não era só o povo de Canudos que estava cego. O desentendimento com comerciantes de Juazeiro sobre compra da madeira para o telhado da igreja nova, deflagrou a perseguição policial aos sertanejos, que reagiram e subjugaram os militares.
Muitos foram mortos ao serem surpreendidos enquanto repousavam nas cercanias de Uauá. Foi o inicio das desgraças de Canudos.
Mais três expedições militares foram enviadas para submeter o arraial de Canudos. O saldo da guerra foi de 30 mil mortos entre todos os combatentes, sertanejos e soldados.
Os sertanejos, chamados de jagunços, enfrentaram e venceram as tropas do Major Febrônio de Brito, depois as forças comandadas pelo Cel. Moreira Cesar, que tinha o hábito generoso de cortar as cabeças de quem aprisionava. Foi morto em combate e substituído pelo Cel. Tamarindo, também abatido pelos sertanejos.
Mais quatro mil tropas foram enviadas para destruir Canudos. Mesmo um exército comandado por três generais, Artur Oscar de Andrade Guimarães, João da Silva Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget, e ainda com a presença do então ministro da Guerra, Mal. Carlos Mchado Bittencourt, não impediu que a batalha fosse de total extermínio.
Segundo Euclides da Cunha, Canudos não se rendeu. Caso único registrado na história. Seus quatro últimos defensores tombaram lutando. Antonio Conselheiro teve seu cadáver decapitado, para que a ciência se manifestasse sobre sua personalidade. Em 6 de outubro de 1897, as 5.200 casas que formavam a imensa favela de Canudos foi totalmente arrasada.
Hoje, sob as águas do Vaza Barris, todos os testemunhos reais da tragédia de Canudos estão sepultados para sempre.
Meus olhos penetram aquelas águas que fizeram submergir a cidadela heróica. Consigo imaginar todas as cenas dos últimos combates, ouvir os gemidos dos feridos, os gritos das mulheres e das crianças em desespero, o toque das cornetas comandando a batalha.
Em meio a fumaça dos estampidos, ouço Pajeú ordenando aos jagunços que restam, para que resistam até à morte, gritos de dor, de ódio e de pranto, mas que não desmentem a bravura extraordinária de todos aqueles heróis, ignorantes e rudes, que tentavam defender inutilmente o solo sagrado de sua cidade monstruosa. Pedrão, o herói de Cocorobó; João Macambira, julgando poder sozinho destruir o Krupp; João Abade, um dos mais ferozes jagunços do Conselheiro, comandando o arraial; e, por fim Antonio Beatinho, com sua sagacidade, negociando uma falsa rendição, para, livrando-se de mulheres e crianças, melhor poder resistir aos ataques.
Repetirei Euclides. Fechemos esta página, para amenizar a nossa vergonha.
Da história triste de Canudos, resta, a nós sertanejos de hoje, como uma advertência solene, a certeza de que não existem messias nem salvadores de pátrias, somos nós os nossos próprios salvadores. Podemos, para os moradores de Canudos, conceder como atenuante para a sua cegueira, o fato de que eles ainda não tinham vivido a história. Nós não temos desculpas, sabemos como proceder e podemos com sabedoria impedir que nos guiem até o abismo. Com a tragédia de Canudos, pode-se refletir sobre o passado para que não se repita, ou sobre o futuro para melhor construí-lo.
De todo mal, algo de bom pode resultar.
ZÉ DAS DORES

Um comentário:

  1. Uma questão de imparcialidade

    Oi, José Carlos!

    Estou distante há bastante tempo, apesar disso faço o possível para me sentir próxima, seja por meio do Orkut, MSN, rádio, conversando com amigos e familiares e agora por meio deste importante meio de comunicação que é o BLOG DE OUROLÂNDIA, quero parabenizar-lhe por permitir que pessoas como Zé das Dores publiquem textos críticos e imparciais que nos possibilita abrir os olhos e refletirmos a partir da nossa própria realidade.
    Já assisti ao Filme Guerra de Canudos, agora vejo que realmente todos foram cegos naquela batalha. Concordo em gênero, número e grau quando ele faz uma correlação com Ourolândia, sei que alguns viram com maus olhos as decisões judiciais que mudaram a política ourolandense, mas acredito que há males que vem para o bem, hoje pela primeira se tem algum consenso quando se fala em política.
    Como em toda democracia, existe e sempre existirá oposição e situação, mesmo entre aqueles que reconhecem os avanços há alguns que continuarão sendo oposição no momento eleitoral, a grande mudança está na postura e evolução política da população. Tenho uma prima que sempre fez oposição ferrenha ao grupo do prefeito que foi afastado, conversei com ela que me disse que está torcendo e acreditando neste novo momento, dando sua contribuição para que as coisas aconteçam da maneira correta, colocando em primeiro lugar o Amor por Ourolândia e deixando a “paixão” apenas para época da eleição.
    Embora por razões diferentes tanto situação quanto oposição concorda que o município vive um novo momento, Ourolândia respira outros ares, o povo vislumbra caminhos que outrora pareciam impossíveis...
    Apesar de a nossa sociedade ainda aparentar certa cegueira, o povo não tem culpa, esta situação foi provocada pela falta de opções, caminhos e oportunidades, eis que agora surge um nome modelo, como costuma falar o crítico radialista Geraldo Oliveira (Jacobina F.M.) uma forma diferente de governar...
    Vivemos um novo tempo, outrora a sociedade civil era representada por “cabos eleitorais” hoje por instituições organizadas como: ASSOBEGE, ACIOURO, LIGA DESPORTIVA, APLB dentre outras, que defendem a sociedade de modo que não se permite voltar a um passado que não deixou saudades, época em que o executivo procurava interferir no judiciário e nas policias, causando atrocidades, provocando injustiças e fazendo Ourolândia ser sempre manchete nas páginas policiais, de agora em diante podemos mudar os nomes, mas quanto à modelo ou forma de governar, nisso não podemos retroceder...
    Mais uma vez Parabéns a Benigno e das Dores, pois apesar de não conhecê-los sou uma admiradora da forma inteligente e corajosa que vocês de colocam diante dos fatos, instigando a sociedade a usar o que tem de melhor que é a conhecimento, único meio pelo qual o homem é capaz de evoluir e transformar a sua realidade.
    Não vejo a hora de concluir meu curso e voltar, se não for possível pra Ourolândia ao menos para região, um abraço a todos os meus familiares e amigos.


    Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova. Mahatma Gandhi

    Vânia Santos
    vania.cruzsantos@yahoo.com.br

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